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Entre a estrada e a estrela”, uma poética elaborada por um
andarilho da transcendência

 

A COSMOGONIA DO CAMINHAR

OU UM ANDARILHO DA TRANSCENDÊNCIA

 

 

Por Bruno Gaudêncio*

 

 

         “Caminhante, não há caminho/ se faz caminho ao andar”, estes são dois belos versos do poeta espanhol Antônio Machado (1875 - 1939), retirados do poema Cantares. Tais versos foram escolhidos por José Inácio Vieira de Melo como epígrafe da primeira parte da coletânea poética Entre a estrada e a estrela, publicada no final de 2017 pela Mórula Editorial, do Rio de Janeiro, - oitava obra de um dos mais significativos poetas brasileiros contemporâneos.

         Entre a estrada e a estrela é dividido em duas partes: O mundo foi feito pra gente andar (onde se encontra a epígrafe citada no parágrafo anterior) e Na esteira do infinito. Somadas as partes, temos um livro, que expressa claramente uma profundeza metafísica. José Inácio Vieira de Melo conseguiu nesta obra sincronizar a anunciação dos seus sentimentos mais profundos naquilo que chamarei de uma cosmogonia do caminhar.

 

O mantra/mote “O mundo foi feito pra gente andar” conduz
os poemas da primeira parte do livro.

 

         Na primeira parte do livro, O mundo foi feito pra gente andar, temos um mantra/mote, que conduz os poemas em uma tessitura de metáforas sensíveis e espaciais, que é o verso “O mundo foi feito pra gente andar”, repetido em diferentes momentos da obra. Passos, estradas, caminhos, são algumas das expressões que vão sendo apresentadas com muita clareza e sofisticação, construindo um mapa sensível de andanças internas do poeta em sua busca incessante pela expressão literária perfeita. Uma poética, portanto, elaborada aqui por um andarilho da transcendência, um caminhante que, passo a passo, transpõe os sentidos dos seus versos íntimos.

         Tal andarilho da transcendência, de passos firmes, conhecido como um cavaleiro de fogo, produziu através de uma visão universalizante, coleções de solidões, incômodos, abismos e liberdades. Tudo feito com o domínio formal dos versos livres: “Mas como é densa a solidão de quem é livre!”, afirma o autor de Roseiral, ao cantar a solidão e a liberdade. Tal caminhar ganha uma maior significância, visto que para o poeta “(...) o mundo foi feito pra gente andar,/ sentindo a beleza de cada momento/ soprada no vento que eu vou respirar”.

         Vento, aliás, é outra das palavras que se repete ao longo da obra, ao lado de azul e mar, além dos já citados, andar, caminhar, estradas... Tais repetições são intencionais e formam um painel de signos, que estruturam um arquivo de flutuações, encontrando um equilíbrio ontológico entre as estradas (o mundo terreno) e as estrelas (o mundo da transcendência). Isso fica mais evidente, com versos muito bem lapidados que considero pedras de toque, a exemplo: “inaugurando voos na profundidade do azul” e “Minhas asas confessam tudo”.

 

Na segunda parte, “Na esteira do Infinito”, José Inácio
construiu uma cosmogonia do caminhar.

 

         É este o destino do caminhante, sempre ir além, seguindo em frente, em um caminho sem volta... E esta consciência da finitude, fica ainda mais forte na segunda parte do livro, intitulada Na esteira do Infinito. Nestes poemas, José Inácio Vieira de Melo construiu, com uma delicadeza ancestral, uma cartografia de suas transcendências, através de uma cosmogonia que podemos dizer exemplar. Ou seja, um modelo de existência pautada em uma relação energética com o mundo que o cerca, com a tradição literária universal, com a natureza ao seu redor. Átomo, elétron, sistema solar, galáxia, - palavras que expressam a matéria do Infinito: “E lá vou eu nessa saga sem sentido/ viajando pelo Cosmo, montado no Infinito”. Esse caminhar cosmogônico faz o poeta enaltecer sua ancestralidade: “e sinto o elo que me liga aos ancestrais./ Caminho junto às estrelas/ em busca das metáforas estrangeiras”.

         Estrela, aqui, vista como um grão de poeira que gira na imensidão de todos os mundos possíveis, guiando o poeta para seu princípio criador; já a estrada é representada como uma metáfora viva deste caminhar para o infinito, nesta relação com Deus, com os homens, com os lugares e os objetos. Temos, portanto, um poeta, um andarilho da transcendência, que consciente dos limites da linguagem poética, cria uma cosmogonia do caminhar... Um modelo ímpar de infinitos.

 

 

*Bruno Gaudêncio é escritor, jornalista e historiador paraibano. Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo. É autor de diversos livros, com destaque para a coletânea de poemas O Silêncio Branco (Patuá, 2015).

 

Fotografias: Ricardo Prado

 

Pagina publicada em abril de 2018


 

 

 
 
 
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